A violência contra médicas e médicos em unidades de saúde no Brasil tem se tornado uma realidade cada vez mais frequente e preocupante. Dados do Conselho Federal de Medicina (CFM) indicam que, em média, 12 médicos são vítimas de algum tipo de violência por dia no país, incluindo ameaças, injúrias, furtos e agressões físicas. O tema ganhou destaque na edição de dezembro da revista Galileu, que ouviu, entre outras fontes, o presidente do Sindicato dos Médicos de São Paulo (Simesp), Augusto Ribeiro, sobre as causas e os impactos desse cenário.
Na avaliação de Ribeiro, os episódios de violência não podem ser analisados de forma isolada ou atribuídos à população usuária do Sistema Único de Saúde (SUS). “O problema está diretamente relacionado ao subfinanciamento crônico do SUS e ao modelo de gestão terceirizada, que tem se expandido em diferentes regiões do país.
A superlotação, o número insuficiente de profissionais, a sobrecarga de trabalho e a falta de transparência na gestão de unidades administradas por organizações sociais criam um ambiente de tensão constante. Nesse contexto, usuários chegam aos serviços já insatisfeitos, enquanto profissionais enfrentam jornadas exaustivas, equipes incompletas e condições inadequadas de atendimento.
“O usuário do SUS tem razão ao exigir atendimento porque a saúde é um direito constitucional. O problema é que essa insatisfação legítima, diante de um sistema precarizado, acaba sendo descarregada sobre quem está na ponta, que são os profissionais de saúde. Médicos e médicas também estão sob pressão, lidando com filas enormes, falta de recursos e sobrecarga extrema”, afirma Ribeiro, presidente do Simesp.
O médico alerta que respostas simplistas, como campanhas de conscientização isoladas ou o endurecimento de penas, não atacam a raiz do problema. A violência, segundo Ribeiro, surge do encontro entre usuários em situação de extrema vulnerabilidade — muitas vezes com risco à vida — e profissionais igualmente pressionados por um sistema que não oferece condições adequadas de trabalho nem garante atendimento universal e integral.
Outra preocupação indicada por Ribeiro é o aumento de propostas que defendem a presença ostensiva de forças policiais dentro das unidades de saúde. “Esse tipo de medida não previne a violência e ainda pode comprometer o sigilo, a confiança e o acolhimento, afastando pessoas que precisam de atendimento, como vítimas de violência doméstica, gestantes e populações vulneráveis”, defende.
Além dos impactos imediatos, a violência no ambiente de trabalho afeta diretamente a saúde mental dos profissionais. Médicos relatam medo, ansiedade e esgotamento, o que leva muitos a pedirem transferência ou evitarem atuar em regiões periféricas, aprofundando ainda mais a desassistência nessas áreas. “Esse movimento cria um ciclo perverso: a falta de profissionais piora o atendimento, aumenta a insatisfação da população e potencializa novos episódios de violência”, afirma o dirigente.
Para o Simesp, o enfrentamento da violência contra médicos passa, necessariamente, por mais financiamento público, valorização dos profissionais, contratação adequada de equipes, gestão transparente e fortalecimento do SUS como política pública. “Um usuário satisfeito com o atendimento dificilmente será violento. A solução não é tratar a população como inimiga, mas garantir um sistema de saúde que funcione”, reforça Ribeiro.