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Simesp Debate discute projeto de lei que propõe exame da ordem para os médicos

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19/09/2025 | Notícia Simesp

Simesp Debate discute projeto de lei que propõe exame da ordem para os médicos

Debate sobre exame da ordem na medicina

Na última quinta-feira (18), o Simesp realizou mais uma edição do Simesp Debate, evento mediado pelo presidente da entidade, Augusto Ribeiro. O tema das discussões foi o projeto de lei que propõe a criação de um exame de ordem para médicos, inspirado no modelo existente no direito.

O encontro contou com a participação de Alexandre Romano (Comissão Nacional de Residência Médica – CNRM e diretor do Sindicato dos Médicos do Rio de Janeiro – SinMed), Estevão Toffoli (vice-presidente da Associação Brasileira de Educação Médica – Abem), Matheus Aranha (Direção Executiva Nacional dos Estudantes de Medicina – Denem) e Aristides Palhares (diretor secretário da Abem e professor da Unesp Botucatu).

Formação deve atender ao SUS
Estevão Toffoli abriu o debate destacando que a discussão sobre o exame de ordem precisa ser compreendida no contexto brasileiro, que abriga o maior sistema público universal de saúde do mundo, o nosso SUS. Segundo ele, a formação médica deve ser pensada a partir das necessidades desse sistema, e não em cópia de modelos externos.

Toffoli também alertou para alguns equívocos que distorcem o debate: não há evidências de que a qualidade da formação médica esteja em queda, não há consenso sobre o número ideal de médicos no país, e a ideia do “médico nota zero” é falaciosa, já que os estudantes passam por inúmeras avaliações durante a graduação.

Como alternativa ao exame de proficiência, defendeu avaliações progressivas ao longo da graduação, como o teste de progresso nacional da Abem, que em 2024 avaliou mais de 100 mil estudantes. “O exame de ordem é uma solução ‘simples, elegante’, porém equivocada para um problema complexo”, concluiu.

Toffoli ressaltou ainda que a comparação com o exame da Ordem dos Advogados é incorreta. No caso do direito, o exame da OAB funciona como barreira de entrada para um mercado de trabalho em grande parte privatizado e individual, no qual o profissional pode abrir um escritório próprio. Já a medicina está profundamente vinculada ao SUS, maior sistema público universal do mundo, e o trabalho médico se insere em equipes multiprofissionais, em hospitais e serviços que exigem integração ao sistema de saúde. Por isso, segundo ele, aplicar o mesmo modelo ao médico recém-formado ignora a realidade brasileira e as necessidades sociais que a formação médica deve atender.

O presidente do Simesp também fez uma comparação com o exame da Ordem dos Advogados, destacando que esse modelo resultou na desresponsabilização do governo federal quanto à fiscalização da abertura de cursos de direito, transferindo ao exame a regulação do mercado.

O Brasil hoje tem um número gigantesco de bacharéis em direito, mas com taxas de reprovação em torno de 80% no exame da OAB. Segundo Augusto, se isso fosse reproduzido na medicina, seria uma tragédia, dado o custo altíssimo de formação de um médico — que envolve hospital escola, laboratórios, internato e iniciação científica. Ele lembrou ainda que muitas faculdades de medicina foram construídas com recursos públicos, e que impor uma barreira final desse tipo significaria “punir os estudantes e desperdiçar vultosos investimentos coletivos, onerando individualmente os formandos por uma falha de fiscalização do próprio Estado”.

Exame pune estudantes e agrava mercantilização do ensino
Representando a Denem, Matheus Aranha ressaltou que a entidade, há quase 40 anos, defende uma educação médica pública, gratuita, de qualidade e vinculada ao SUS. A organização se posiciona historicamente contra o exame de ordem, por entender que ele transfere para o estudante a responsabilidade por falhas estruturais da formação.

Segundo Aranha, o exame agravaria a mercantilização da educação, ampliando o mercado de cursinhos preparatórios e fortalecendo conglomerados privados que já lucram com a abertura indiscriminada de faculdades de medicina.

Ele destacou ainda que a medida aprofundaria desigualdades sociais, atingindo de forma mais dura estudantes de baixa renda, negros, mulheres e mães. “Avaliar é compreender, não rotular”, citou, lembrando Paulo Freire. Para o representante da Denem, o caminho está no fortalecimento da regulação pelo Ministério da Educação (MEC), na aplicação de avaliações progressivas e no investimento no SUS como campo de formação.

Mais provas não é solução
Romano lembrou que o movimento médico nacional já rejeitou por mais de 70% a criação de um exame de ordem em encontros anteriores, posição que segue majoritária inclusive nas redes sociais do próprio Conselho Federal de Medicina (CFM).

Ele destacou que o curso de medicina é longo, caro e financiado em grande parte pelo povo brasileiro, e que transferir a avaliação para o CFM seria uma distorção, já que a função de avaliar cursos e estudantes cabe ao MEC e ao INEP. Romano também resgatou a criação do Conselho Federal de Medicina em 1957, lembrando que sua missão é fiscalizar o exercício ético da profissão, e não avaliar estudantes.

O dirigente criticou ainda a proposta em tramitação, que teria custo elevado, logística complexa e provável terceirização para empresas privadas. “Por que criar uma estrutura cara se já temos o Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira)?”, questionou. Para ele, o verdadeiro problema não está nos recém-formados, mas na crise estrutural da saúde e na mercantilização da educação. “O problema do médico não se resolve com mais provas, mas com mais saúde pública, mais educação e mais Estado”, concluiu.

Ribeiro destacou que parte da defesa do exame de ordem tem se apoiado em argumentos demagógicos, que exploram a insatisfação legítima da população com o SUS para transferir injustamente a culpa aos médicos. Segundo ele, cria-se a ideia falaciosa do “médico nota zero”, um fantasma que não corresponde à realidade, já que a formação médica é longa e repleta de avaliações.

O presidente do Simesp também questionou a competência do CFM para conduzir esse tipo de exame, lembrando que nos países usados como referência pelos defensores da proposta, as entidades avaliadoras não são equivalentes ao Conselho brasileiro e, em muitos casos, a residência médica é obrigatória para o exercício profissional. Ele criticou ainda a incoerência do CFM, que, nos últimos anos, demonstrou fragilidades graves em sua atuação, como a omissão diante da prescrição de medicamentos ineficazes durante a pandemia de Covid-19 e a falta de defesa da vacinação ampla. “É contraditório que uma entidade que falhou em momentos tão decisivos agora queira acusar jovens médicos de incompetência”, afirmou.

Avaliação contínua e pedagógica
Substituindo Estevão Toffoli, que precisou se ausentar do debate mais cedo, o diretor secretário da Abem, Aristides Palhares, analisou a proposta do MEC e do Ministério da Saúde (MS) de criar um novo sistema de avaliação para os cursos de medicina. Para ele, trata-se de um avanço em relação ao modelo anterior, ainda que incipiente.

Palhares defendeu que provas finais e classificatórias, como o exame da ordem, são limitadas porque medem apenas o desempenho em um momento específico e podem reprovar artificialmente estudantes sem corrigir falhas institucionais. Em contrapartida, defendeu a avaliação como ferramenta de diagnóstico institucional, capaz de identificar fragilidades nos cursos e orientar melhorias.

Segundo ele, cabe à Abem fomentar a qualidade da formação, reunindo escolas, professores e estudantes, enquanto a regulação é atribuição do Estado brasileiro, por meio do MEC e do INEP. “Uma avaliação justa deve permitir que o estudante se recupere ao longo do curso, que as escolas corrijam falhas e que o MEC atue fechando cursos sem condições mínimas”, afirmou.

O presidente do Simesp, Augusto Ribeiro, avaliou positivamente o encontro, que contou com convidados altamente qualificados, que atuam e conhecem profundamente a formação dos médicos no país. “Tivemos um debate de altíssimo nível, com contribuições valiosas de professores, estudantes e dirigentes. Agradeço a todos os palestrantes e convido quem não pôde estar presente a assistir ao evento no canal do Simesp no YouTube.”