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No ritmo acelerado da avenida Paulista, uma pausa: a Casa das Rosas

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21/12/2012 | Notícia Simesp

No ritmo acelerado da avenida Paulista, uma pausa: a Casa das Rosas

A Casa das Rosas proporciona uma espécie de viagem no tempo e no espaço. Estive lá há sete anos, quando a Casa havia sido reinaugurada como Espaço Haroldo de Campos de Poesia e Literatura. Nesta última visita, a sensação é de estar em outra casa. O espaço se reinventa a cada época, a cada exposição, a cada curso ou palestra, a cada evento. Abriga poesia e literatura, gente com fome de cultura e conhecimento, música, audiovisual, a infância, as rosas. A cada tempo, um anfitrião. Em 2005, fomos recebidos por Haroldo, recém-chegado ao local, e pelo diretor da Casa das Rosas, o poeta Frederico Barbosa. Nessa última visita, quem nos recebeu foi o poeta italiano Giuseppe Ungeratti, já estava de saída – sua exposição, inaugurada em junho, teria fim no dia seguinte a nossa visita.

A última vez que o número 37 da avenida Paulista passou por uma reforma foi na década de 1990, antes de ser entregue ao governo estadual. Entre 2003 e 2004, passou por um pequeno ajuste e sofreu um processo de jateamento (que embora deixe o imóvel mais bonito, deteriora as paredes, tirando camadas). Hoje, já fica evidente a necessidade de uma nova intervenção para recuperar o prédio, claro, mantendo o patrimônio histórico. Mas o local ainda guarda a beleza de outros tempos e o charme dos contrates entre a antiga construção e seu magnífico jardim com a avenida símbolo da modernidade de São Paulo como de pano de fundo.

O poeta que agora dá nome a Casa, Haroldo de Campos, morreu em 2003. Sua biblioteca de cerca de 35 mil volumes foi doada ao Estado, e a Casa das Rosas passou a abrigá-la em seu subsolo, especialmente preparado para este fim. O trabalho de catalogação dos volumes foi praticamente finalizado, segundo Barbosa, mas ainda há o trabalho de catalogação dos conteúdos, especialmente, dos periódicos. Para se ter uma ideia, todas as anotações do autor e autógrafos foram também catalogados. “É um trabalho inesgotável”, afirma o diretor do Espaço. As obras estão disponíveis para consulta no local, não podem sair. E são fontes de pesquisa para estudiosos de todo o mundo.

Frederico Barbosa está à frente da Casa desde a sua abertura como espaço de poesia e literatura, há quase oito anos. “É trabalho árduo e intenso. Hoje, somos reconhecidos como pólo de literatura e poesia. Trata-se de um espaço democrático, recebemos todos os tipos de tendência. Não nos atemos apenas à obra de Haroldo. Recebemos todas as correntes, há uma pluralidade de estilos”, explica o diretor.

Haroldo de Campos, ao lado de seu irmão Augusto de Campos, e do também poeta Décio Pignatari foram os responsáveis por um novo estilo na literatura, a Poesia Concreta. O concretismo já era um movimento cultural em efervescência no mundo, mas foram os três poetas paulistas, fundadores do Grupo Noigandres, em 1953, que o trouxeram para a poesia, criando a Poesia Concreta. O poema deixa de ser subjetivo para ser objeto visual. Um poema para ser lido e visto. Abole-se o verso tradicional, usa-se uma linguagem sintética, as palavras são fragmentadas e recompostas na página.

Nos anos 1990, a Casa das Rosas abrigou a Galeria Estadual de Artes. Em 2003, foi fechada para reforma, tendo reaberto no final de 2004 como Espaço Haroldo de Campos. “Faltava um espaço como esse em São Paulo”, afirma o diretor da Casa das Rosas, Frederico Barbosa.

Há uma extensa e rica programação, feita em conjunto entre Barbosa, o técnico de cultura e o coordenador técnico. Alguns trabalhos têm curadoria externa. O programa Verso e Reverso, por exemplo, traz sempre poetas com posições antagônicas. “Trabalhamos para que divergência não seja oposição e, principalmente, para que não seja agressão, intolerância”, filosofa.

Saraus, cursos, palestras, apresentações, recitais de música, oficinas de criação poética e literária e outros eventos envolvendo textos literários são algumas das atividades oferecidas. Todas as atividades são gratuitas. Um outro destaque é a programação infantil, com enfoque na contação de histórias, que normalmente ocorrem aos domingos, às 15h. “São programas não só para divertir, mas também para aproximar a criança do que ela tem como patrimônio cultural, para formar leitores e, mais que isso, cidadãos”, destaca Barbosa.

Interessante também é a promoção de feiras de troca de livros, livros infantis, gibis e brinquedos. Como diz o programa: “visa o incentivo à mudança de hábitos de consumo, onde adultos e crianças podem se conhecer, conversar, compartilhar saberes…”.

Para o próximo ano, está prevista a criação de um Centro de Apoio ao Escritor, que visa auxiliar na publicação e divulgação de uma obra, informações de direitos autorais, uma espécie de agência literária pública.

Arquitetura

Não faz tanto tempo assim que a Casa das Rosas deixou de ser residência. Isso de seu nos anos 1980, quando morreu o neto do arquiteto Ramos de Azevedo – responsável pelo projeto arquitetônico – e sua mulher Ana mudou-se. O casarão, projetado em 1928 para a sua filha Lúcia, então recém-casada com o engenheiro Ernesto Dias de Castro, é hoje uma referência na avenida que já foi inteiramente ocupada por casarões. A Casa das Rosas foi uma das únicas construções que restaram da época dos barões do café.

A casa tem um estilo eclético, com influência art decò. Foi construída numa área de 5.500 metros quadrados. Internamente, são 30 cômodos que combinam elementos decorativos ingleses, todos abertos à visitação. A Casa das Rosas foi declarada patrimônio público pelo Condenphaat (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo), sendo tombada em 1985.

É nessa atmosfera que Haroldo de Campos recebe poetas de todos os campos, de todos os espaços, de todos os tempos, do mundo inteiro, aspirantes a poeta, escritor, ou interessados no assunto. As portas, sempre abertas, até às 22h, convidam a entrar. Um charmoso café, ao fundo da residência, pode abrir ou fechar o passeio pela poesia e pela literatura e intensificar discussões sobre poetas, escritores e seus estilos.

O Espaço de Poesia e Literatura Haroldo de Campos proporciona um momento de parada e reflexão na cidade que nunca para. Chama para o olhar em uma avenida ensimesmada, onde as pessoas andam a passos largos, onde estão, de passagem.