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“Médicos precisam agir como guardiões do planeta” – Gilberto Natalini fala sobre o papel da categoria diante das mudanças climáticas

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17/11/2025 | Notícia Simesp

“Médicos precisam agir como guardiões do planeta” – Gilberto Natalini fala sobre o papel da categoria diante das mudanças climáticas

Ex-vereador, cirurgião e ambientalista, o médico Gilberto Natalini defende que cuidar da saúde também é proteger o meio ambiente. Com 50 anos de atuação médica e uma trajetória marcada pelo engajamento em causas públicas, ele é um dos participantes da Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP30), que acontece em Belém do Pará. No evento, Natalini lançou o manifesto Médicos pelo Meio Ambiente e pelo Clima.

Em entrevista exclusiva para o Simesp, Natalini explica porque a categoria médica deve se envolver de forma ativa na luta contra a crise climática e alerta: “O calor, a poluição e a degradação ambiental já estão adoecendo e matando pessoas. E nós, médicos, ainda estamos devendo na praça.”

Simesp: O senhor tem uma longa trajetória como médico e também uma atuação destacada na área ambiental. Como essa formação médica influenciou o seu olhar para o meio ambiente?

Gilberto Natalini: Eu me formei em 1975, na Escola Paulista de Medicina, e aprendi ainda na faculdade que a maioria das doenças está ligada ao lugar onde as pessoas vivem e à forma como vivem. A poluição, os hábitos alimentares e o estilo de vida têm relação direta com o adoecimento. Sempre entendi que, ao tratar o paciente, eu também precisava olhar o contexto em que ele está inserido. Foi assim que comecei a associar medicina e meio ambiente.

Simesp: Quais são hoje os principais riscos à saúde pública causados pelas mudanças climáticas?

Gilberto Natalini: O ser humano explora os recursos da Terra muito além da capacidade de regeneração do planeta. Isso produz uma degradação enorme. Estamos emitindo gases que aquecem a atmosfera e alteram o clima. O resultado são tempestades, secas, enchentes e ondas de calor cada vez mais intensas, que já provocam doenças, internações e mortes. Só no ano passado, cerca de 500 mil pessoas morreram no mundo em consequência direta do calor extremo.

Simesp: A medicina tem acompanhado esse fenômeno?

Gilberto Natalini: Ainda não o suficiente. A climatologia e outras ciências avançaram muito, mas a medicina ficou devendo. Estamos começando agora a estudar os impactos do calor, da poluição, das novas viroses e até dos microplásticos na saúde humana. Há pesquisas mostrando aumento de infartos nos dias de poluição intensa, e sabemos que doenças como câncer de cólon e pulmão estão crescendo. Mas ainda é pouco. Falta engajamento e produção científica sobre o tema.

Simesp: O senhor mencionou que levará um manifesto à COP30. Que mensagem pretende levar aos colegas médicos?

Gilberto Natalini: Eu quero sensibilizar a categoria. O médico tem credibilidade, é ouvido, tem poder de convencimento. Quando ele fala com o paciente, com a equipe ou com a comunidade, ele pode ser um agente de transformação. Nosso apelo é para que os médicos assumam o papel de agentes de esclarecimento e ação, relacionando o saber com o fazer. Não adianta saber do problema se não agirmos.

Simesp: E o sistema de saúde, está preparado para enfrentar os efeitos das mudanças climáticas?

Gilberto Natalini: Ainda não como deveria. Há iniciativas boas, como o Fórum dos Hospitais Saudáveis, que reúne 500 hospitais comprometidos com a meta de carbono zero, e programas municipais como o Programa Ambientes Verdes e Saudáveis (PAVS), que forma agentes ambientais nas comunidades. Mas são exceções. Falta política pública integrada. O Ministério da Saúde começou a agir, mas as secretarias estaduais e municipais ainda caminham devagar. São Paulo é uma das poucas cidades que têm plano climático, orçamento próprio e secretaria específica para o tema.

Simesp: Quem sofre mais com essas transformações?

Gilberto Natalini: Sempre os mais pobres. Os que moram nas encostas ou nas margens dos córregos são os primeiros a perder tudo com enchentes e deslizamentos. Quando falta água, é a periferia que fica sem abastecimento primeiro. E dentro dessa população vulnerável, as crianças e os idosos são os que mais sofrem. O calor extremo mata idosos desidratados, e as crises alimentares atingem as crianças. É uma tragédia humana somada a uma tragédia ambiental.

Simesp: Que atitudes práticas um médico pode adotar no dia a dia para contribuir?

Gilberto Natalini: Primeiro, buscar informação. Entender o problema para poder orientar os pacientes. Dentro do consultório, o médico pode incentivar hábitos sustentáveis — economizar água e energia, separar o lixo, plantar árvores. No âmbito institucional, é possível reduzir emissões, modernizar equipamentos e aderir a programas de energia limpa. Eu mesmo tenho energia solar em casa há mais de dez anos. Também é papel das entidades médicas e sindicais levar essa pauta à categoria e estimular pesquisas e ações concretas.

Simesp: O senhor também tem uma militância pessoal nessa área, não é?

Gilberto Natalini: Sim, já plantei cerca de 30 mil árvores na vida. A árvore é a máquina natural mais eficiente que existe contra o aquecimento global. É barata, amiga, dá sombra e refresca o ambiente. Se cada pessoa plantar dez árvores, já estará ajudando muito. Precisamos cultivar essa mentalidade desde a escola. Plantar é um ato de saúde pública.

Simesp: Por que o senhor diz que a medicina está “devendo na praça”?

Gilberto Natalini – Porque temos o dever de cuidar da vida. E a vida está sendo ameaçada pelo colapso ambiental. Nossa missão é aliviar a dor, salvar vidas e proteger as condições que tornam a vida possível. A medicina precisa se reposicionar. Médicas e médicos devem sair da letargia e agir — estudando, debatendo e aplicando esse conhecimento em suas práticas. O sindicato e as entidades de classe têm papel central nisso.

Simesp: Que mensagem o senhor deixaria à categoria?

Gilberto Natalini: Que nós, médicos, sejamos agentes dessa transformação. O planeta está doente, e nós temos instrumentos para curá-lo. Cuidar do meio ambiente é cuidar da saúde humana. Eu parabenizo o Simesp por colocar esse tema em pauta e reforço: estou à disposição para continuar esse diálogo e para ações práticas. A luta pela saúde e pela vida passa, necessariamente, pelo enfrentamento à crise climática.

A entrevista também está disponível em vídeo, em nosso canal no YouTube.