A parceria de 26 anos começou por acaso. O hematologista participava do festival “Médicos Músicos” – organizado anualmente pelo hospital Albert Einstein – tocando Música Popular Brasileira (MPB) no violão em parceria com outro médico que tocava acordeon. Na ocasião, um dos integrantes da Skeletons estava na plateia. O convite, no entanto, aconteceu de maneira inusitada. “O diretor médico do Albert Einstein, José Henrique Germann Ferreira, me chamou para conversar em sua sala. Achei que tomaria uma bronca”, comenta sorrindo. Na verdade, o diretor queria lhe falar sobre alguns músicos que procuravam por um contrabaixista, instrumento que Hamerschlack havia tocado poucas vezes.
O médico conta que foi encontrar o grupo em um consultório próximo ao Parque do Ibirapuera. Ele lembra que enquanto esperava ouvia o som de bolas de bilhar batendo uma nas outras. Hamerschlack se apresentou e foi aprovado. “José Henrique chegou a tocar bateria na banda durante um período. Além disso, gravamos um CD juntos, mas com outra banda”, completa. Esse conjunto também era composto por médicos e “pacientes”.
Durante um ano, eles se reuniram no estúdio semiprofissional que Hamerschlack mantém em sua casa para gravar o álbum intitulado “O bom é amigo do ótimo”. Na capa, o CD trazia a foto de grãos de arroz e feijão. “Serviu para mostrar o básico, que não tínhamos grandes ambições com aquele hobby”, esclarece. E tanto não havia que foram produzidas apenas 1.500 cópias para distribuir entre os amigos. Quanto aos Skeletons, o coordenador conta que a banda gravou uma fita cassete, mas que não tem planos de produzir um CD devido ao tempo necessário para gravar.
Noite adentro
Logo nos primeiros meses como integrante dos Skeletons, Hamerschlack se apresentou em casas tradicionais da cena noturna paulistana como o Da Virada, Avenida Clube, Sapori de Rosi, Café Piu-Piu e Tom Jazz. “Tocávamos toda quinta-feira no bar Da Virada, em Pinheiros, até ele fechar em 1998”, conta. O local ficou famoso na época da Ditadura Militar e dizia-se que seria ali a grande “virada”.
Hamerschlack lembra que quando entrou para a banda, e consequentemente passou a tocar nesse bar, as “Diretas Já” tinham acontecido, mas o lugar mantinha a mesma aura. “A concentração de pessoas das décadas de 1960 e 1970 ainda acontecia nos anos 1980”, conta. “O local conseguia abrigar um público de 200 pessoas e sempre tinha fila na porta. Era um dos poucos lugares da cidade com música ao vivo.”
“Conhecer os músicos da noite é muito interessante, pois eles têm uma qualidade extrema”, afirma, comentando que há casos de músicos que se mudaram para outros países e fizeram sucesso.
Por outro lado, ele compara que são poucos aqueles com capacidade para se distinguir ao ponto de se consagrar. Nesse mesmo período a banda se apresentava em outro bar no mesmo bairro, o Avenida Clube. Dali, o conjunto partiu para se apresentar no Café Piu-Piu, na Bela Vista, e mais recentemente no Sapori di Rosi, no edifício Copan, centro de São Paulo. O médico conta que a banda se prepara para uma apresentação no Café Paon, em Moema. “Antes não ensaiávamos muito, pois tocávamos há muito tempo juntos, mas agora precisamos treinar”, explica.
Tocando durante tanto tempo na noite paulistana, Hamerschlack comenta que não teve tempo de sentir saudades de subir ao palco, mas que desde 2009 a frequência de shows tem diminuído. A ban da que mensalmente estava nos palcos, hoje prefere se apresentar a cada dois meses. O hematologista credita dois motivos para a queda no número de apresentações: o primeiro é a chegada da idade que algumas vezes não permite ficar acordado até tarde, tendo de trabalhar no dia seguinte. O segundo motivo é que, além disso, “infelizmente”, o número de bares e clubes que oferecem música ao vivo tem diminuído brutalmente, dando mais espaço para DJs. “Isso é um acontecimento global, estive em Nova Orleans participando do ASH 2009 e a Bourbon Street não tinha mais jazz nem blues, só rock ‘pauleira’ e não era uma banda”, compara.
Ainda de acordo com Hamerschlack, não se trata de gostar dos novos estilos musicais, mas de reconhecer que é outro tipo de arte. “Um dos meus filhos é baterista de uma banda de rock e compositor de música eletrônica, inclusive foi premiado nesse segmento”, conta. Entretanto, o especialista acredita que mesmo assim haja espaço para algumas apresentações, especialmente quando são tocadas canções dos Beatles e dos Rolling Stones. Prova de tudo isso é que tempos atrás a banda foi a um bar em que o público não passava dos 25 anos. “Nem sei exatamente por que estávamos lá”, comenta sorrindo, quando uma garota os chamou de ‘tios’ e perguntou se ‘rolaria um Rolling Stones’. Hamerschlack contemporiza: “ser chamado assim demonstra que ali não é a nossa praia, mas que todos ouvem o som que tocamos. Meus filhos escutam essas bandas”.
Família Dó-Ré-Mi
Mesmo se apresentando há tanto tempo com a banda Skeletons, Hamerschlack compôs apenas uma música. “Escrevi para minha esposa, Ana, que na época tinha 14. Eu tinha 16. Não havia arranjo nenhum, embora eu já tocasse violão, era apenas a letra.” O médico confessa que não sabe se ainda tem o texto guardado e que se caso encontrasse não mostraria a canção para outras pessoas, por se tratar de algo muito pessoal.
A parceria do casal também pode ser percebida musicalmente; Ana também toca violão e canta – “muito bem” segundo o marido –, quando eles decidem se dedicar à MPB em casa. “Algo que as pessoas da minha faixa etária fazem: tornam-se caseiras.” Segundo o especialista, atualmente há muito mais oferta para o entretenimento doméstico. “TV a cabo, Internet, vinho com amigos”, lista ressaltando que caso houvesse um local destinado para esse público, provavelmente fecharia por falta de público.
O casal costuma ser acompanhado de seus dois filhos – Márcio e Eduardo – em casa quando se reúnem. O primeiro toca piano, canta e é aficionado pelas produções da Broadway (famosas por suas peças musicais), enquanto o segundo é o baterista citado anteriormente.
Hamerschlack foi influenciado ainda pequeno pelas irmãs mais velhas. Uma tocava piano e acordeon e a outra violão. “Depois disso fui aprendendo sozinho a tocar piano e baixo”, explica. Perguntado sobre sua banda favorita, o especialista aponta os Beatles, por terem estabelecido um novo paradigma na música. “Pelo mesmo motivo sinto afinidade com os cantores da Música Popular Brasileira”, finaliza.