Simesp

Kubrick por todo olhar

Home > Kubrick por todo olhar
06/06/2011 | Notícia Simesp

Kubrick por todo olhar

Existem grandes filmes míticos – e existem grandes filmes míticos que nem foram feitos. O espectador pode apenas sonhar com a adaptação que Luchino Visconti queria fazer de Em Busca do Tempo Perdido, de Marcel Proust, e nunca conseguiu concretizar porque outro grande, Joseph Losey, também queria adaptar o romance famoso. Da mesma forma, o Napoleão de Stanley Kubrick virou a representação de um objetivo impossível, mesmo para o autor que foi aos limites do universo em 2001, Uma Odisseia no Espaço.

Foi justamente depois da sua ficção científica que Kubrick resolveu retomar o épico, disposto a revisitar o gênero de uma forma como o ator e produtor Kirk Douglas não lhe permitiu em Spartacus. Kubrick era obcecado pela ambição imperial do Pequeno Corso. Conta a lenda que ele teria lido 700 livros (700!) para elaborar o roteiro e consolidar sua visão. Na hora de tirar Napoleão do papel, a empresa produtora Metro recuou, assustada com os custos.

Kubrick, que investira dois anos de sua vida no projeto, saiu do impasse realizando rapidamente – em termos – A Laranja Mecânica, baseado no livro de Anthony Burgess. Mas ficou o mito da obra-prima não filmada. Você pode matar a curiosidade pelo que talvez pudesse ser esse Napoleão na grande exposição que a Cinemateca Francesa dedica a Kubrick.

Ela vai até 31 de julho, ocupando dois andares do prédio em Bercy, o quinto e o sétimo. Segue uma ordem cronológica. Começa com o Kubrick fotógrafo de Look, prossegue revisitando cada filme. Tudo o que você queria ver – e saber – lá está. Objetos de cena, roteiros anotados, memorandos, fotos de filmagem. E, nos monitores, os filmes que estão sempre passando, os depoimentos de colaboradores ou admiradores, gente como Martin Scorsese e Steven Spielberg.

No sétimo andar, você encontra a seção dedicada a Napoleão, com o roteiro anotado, estudos de roupas e até o storyboard das monumentais cenas de batalhas, para as quais Kubrick, no seu afã de realismo, pretendia usar 10 mil figurantes (ou mais).

Eyes Wide Shut, De Olhos Bem Fechados

Contrariamente ao título do opus final da carreira de Kubrick – ele morreu antes da estreia do filme estrelado pelo então casal Tom Cruise/Nicole Kidman -, o evento (pois se trata de um evento gigantesco, incluindo a reedição, em cópias novas, de A Laranja Mecânica) chama-se Eyes Wide Open.

De olhos bem abertos. Há um tema do olho, e do olhar, no cinema de Kubrick. O olho de Hal 9000, o computador de bordo que tudo vê em 2001; os olhos de Alex, Malcolm McDowell, que não podem se fechar quando ele é submetido ao tratamento Ludovico em A Laranja Mecânica. O olho é importante e Kubrick, afinal, escolheu o cinema como mídia para se expressar, mas o grande tema de seu cinema era a palavra – ou a sua dissolução, como elo que ainda pode organizar os homens.

Como homem de cinema, Kubrick sonhou fazer obras-primas definitivas de cada gênero. Em quase todas as suas tentativas, conseguiu, menos, segundo ele, em Lolita, porque o estúdio não lhe permitiu ir fundo no tema do sexo de Vladimir Nabokov (mas o escritor adorava o filme), e Spartacus, devido à interferência de Douglas, com quem ele se dera bem durante a filmagem de Glória Feita de Sangue. Em todos os grandes filmes, a palavra é decisiva, fundamental.

É preciso tempo para passear pela exposição e ver, de dentro, o universo de um visionário. Kubrick ganhou um só Oscar – pelos efeitos de 2001. A estatueta com seu nome gravado está lá. O Leão de Ouro de carreira que ele ganhou em Veneza, também. Na saída, a sala de projeções apresenta um documentário sobre a importância das trilhas, e da música erudita, nos filmes. Ainda não é the end. Para chegar ao elevador, você passa por um corredor ornamentado pelas aquarelas da viúva, Christiane. Kubrick no trabalho, em casa, com os filhos, em contemplação. É o arremate íntimo, perfeito e a aquarela introduz um tom tênue, delicado, no perfeccionismo do autor.