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Guilherme Boulos, candidato a prefeito de São Paulo, fala ao Simesp sobre suas propostas na área da saúde

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27/11/2020 | Entrevista

Guilherme Boulos, candidato a prefeito de São Paulo, fala ao Simesp sobre suas propostas na área da saúde

*Por Nicolli Oliveira

São Paulo é a cidade mais populosa do país e acumula inúmeros problemas na área da saúde como escândalos envolvendo organizações sociais, quarteirizações e falta de insumos. Tendo em vista que o sindicato tem em seus valores a consciência social e em sua missão defender o acesso à saúde como direito do cidadão, independentemente de interesses políticos ou financeiros, a entidade decidiu propor que os candidatos à prefeito de São Paulo, Bruno Covas (PSDB) e Guilherme Boulos (Psol), respondessem algumas perguntas sobre as suas propostas para a área da saúde para que médicos e demais munícipes tenham mais informações para votarem de forma consciente no segundo turno das eleições de 2020. Infelizmente não foi recebido o retorno de Covas, após diversas tentativas de contato com a sua equipe, então traremos apenas as respostas do candidato do Psol.

Boulos é professor formado em Filosofia pela Universidade de São Paulo (USP), especialista em psicanálise e mestre em psiquiatria. Conhecido pelo seu ativismo social, Boulos é uma das lideranças do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) e da Frente Povo Sem Medo. O candidato à prefeitura de São Paulo foi o mais novo postulante à Presidência da República da história brasileira, quando em 2018 concorreu ao cargo.

 

Simesp – O município de São Paulo está entre os que têm os números mais altos de contágio e mortes por Covid-19 no mundo. E a taxa de contaminação de profissionais de saúde permanece alta, seguindo a tendência brasileira. O candidato considera que a atuação do governo municipal diante da pandemia tem sido satisfatória? Se eleito, qual seria a sua forma de manejar uma possível segunda onda?

Boulos – A atuação é insatisfatória. Desmontaram a Covisa (Coordenaria de Vigilância em Saúde) no meio da pandemia, área especializada e responsável pela vigilância em saúde no município e, segundo relatos da área técnica, centralizaram dados e decisões, restringindo-se ao gabinete do prefeito, sobrepondo interesses políticos aos técnicos. Não houve a estratégia de envolvimento de lideranças comunitárias e equipes de saúde no combate à pandemia, diminuindo a capacidade de detecção de sintomas e a educação em saúde. Nesse mesmo sentido, a prefeitura descumpriu e não homologou a resolução aprovada no dia 12 de novembro de 2020 pelo Conselho Municipal de Saúde, órgão de representação da sociedade, em que especialistas listaram informações básicas a serem divulgadas e com proposição de ações intersetoriais, pois falta transparência da situação atual.

Faltou e ainda falta transparência. Os dados que são divulgados pela SMS-SP (Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo) não são os de padrão epidemiológico. Por exemplo: não divulgam – e não coletam? – a taxa de positividade dos testes RT-PCR (do inglês reverse-transcriptase polymerase chain reaction) dos laboratórios públicos e privados, por semana epidemiológica. São esses testes que detectam precocemente a doença e balizam a tomada de decisão.

Se eleito e com a confirmação de uma segunda onda, vamos iniciar e ampliar a mobilização dos mais de 8 mil agentes comunitários, juntamente com as equipes de saúde da família e com ação intensiva da enfermagem e médicos, para detecção precoce de sinais e sintomas, testagem e orientações sobre a infecção por Covid-19 por meio das seguintes ações: garantia de testagem em massa para sintomáticos em pontos de grande circulação da cidade, com identificação de sintomas e medição de temperatura; identificação de sintomáticos respiratórios com aplicativo de monitoramento digital e atendimento por telemedicina 24h, garantia de medidas de isolamento, como renda emergencial, cesta básica e uso de equipamentos públicos/rede hoteleira em situações de impossibilidade de isolamento por vulnerabilidade e adensamento excessivo; ativação de novos leitos em hospitais desativados e, se necessário, destiná-los para criar novas alas dedicadas a pacientes com Covid-19; articulação com as áreas técnicas da secretaria e equipes de saúde para tomada de decisão participativa e com transparência.

 

Simesp – Organizações sociais (OSs) hoje predominam no modelo de gestão dos aparelhos de saúde do município, sendo responsáveis por mais de 70% da estrutura da saúde e recebendo boa parte do orçamento dessa área. As OSs são denunciadas em escândalos de corrupção, com relatórios de Tribunais de Contas mostrando que elas tendem a ser mais caras e menos transparentes do que a administração direta. Elas também contratam de formas cada vez mais precárias, têm alta rotatividade de profissionais e tiveram grande enriquecimento nos últimos anos, mesmo com a crise da saúde que enfrentamos. Boa parte desses contratos de gestão estão para se encerrar. Gostaríamos de saber qual a política que vai orientar a organização da saúde do município, caso seja eleito. Seu projeto para a gestão da saúde no município inclui as OSs? Como o candidato pretende lidar com os problemas mencionados?

Boulos – Atualmente, a PMSP (Prefeitura Municipal de São Paulo) mantém contratos de gestão, na área da saúde, com mais de 40 OSs, sendo que a maior parcela delas está ligada aos serviços de Atenção Básica, o que gera uma desarticulação do cuidado em rede, pois os serviços possuem diferentes entidades gestoras que competem entre si. Assim, em São Paulo, há uma república independente das OSs, cada uma interpretando e construindo sob suas próprias lógicas, inclusive de redes e de sistemas de informação. Além disso, a mesma OS, em diferentes territórios, efetiva políticas distintas: desmancha ou não o NASF (Núcleo Ampliado de Saúde da Família), implanta plantão multiprofissional em CAPS III (Centros de Atenção Psicossocial), prioriza a transformação de CAPS em ambulatórios etc.

Os indicadores de saúde são frágeis e priorizam metas de produção e nem sempre a qualidade do cuidado. Há, por exemplo, conveniadas agendando exames de ultrassom a cada dois minutos em meio à pandemia, pois a produção está relacionada ao método de remuneração.

Além disso, a população não consegue acompanhar os contratos de gestão porque eles não ficam acessíveis e não são apresentados aos conselhos gestores das UBSs (Unidades Básicas de Saúde), AMAs (Assistências Médicas Ambulatoriais), CAPSs, UPAs (Unidades de Pronto Atendimento), hospitais e etc. Há falta de controle dos contratos “quarteirizados” de prestação de serviços de manutenção, vigilância, telefonia e até assistenciais, que nunca são alvos de auditoria contábil.

Os salários pagos aos trabalhadores das OSs divergem muito dentro da mesma categoria profissional. Há casos de 80% de diferença entre as OSs para o mesmo tipo de trabalho e mesma carga horária; e algumas OSs têm cargo de 30 horas para todas as categorias, enquanto outras, não. Também há alta rotatividade de profissionais, com pouca transparência nas contratações (principalmente nas de médicos), prejudicando o vínculo com os usuários. O desinvestimento brutal nas unidades da administração direta e salários cada vez mais baixos são estratégias para construir imagem de “boa gestão” e razões para legitimar as terceirizações junto à população.

Na nossa candidatura, propomos os seguintes pontos: realinhamento de gestão, gerenciamento e ações técnicas com as OSs para padronização das ações realizadas pelas instituições nos diversos territórios, focando na reorganização da rede baseada nas necessidades de saúde da população e nas orientações das políticas nacionais de saúde e suas redes atenção à saúde; revisão dos contratos de gestão e convênio com revisão das metas de produtividade que colocam as equipes de saúde em situações precárias de trabalho, ampliando as metas para a efetividade das ações de saúde e não apenas produtividade; instituição de um sistema de informação único, com módulo de prontuário eletrônico do paciente, eliminando os diversos sistemas e gastos que as OSs têm de forma dispersa e divergente; estruturação e disponibilização pública de um sistema online de prestação de contas segundo cada unidade de saúde dos diversos contratos de gestão vigentes com as OSs; ampliação e intensificação da fiscalização sobre os contratos vigentes, com participação popular, garantindo entrega do serviço contratado com qualidade ao usuário; garantia de equiparação ou isonomia salarial e de direitos entre servidores municipais, estaduais (municipalizados) e terceirizados das OSs, segundo cargos e funções realizadas, contratar equipes dos diferentes níveis dos serviços de saúde sob gestão pública e estatal, garantindo a continuidade do trabalho e dos vínculos empregatícios das equipes contratadas pelas OSs já em funcionamento; retomada do investimento na administração direta com foco nos rearranjos administrativos e jurídicos, como autarquias ou fundações públicas, para maior celeridade e ação da gestão pública na saúde e segurança dos vínculos de trabalho das equipes atuais ligadas às OSs.

 

Simesp – Os concursos públicos na saúde são esporádicos e apresentam grande defasagem financeira em relação aos salários que as OSs pagam ou comparados a cidades próximas de São Paulo que mantiveram a contratação via concurso. Isso gera uma falta de adesão aos concursos e a exoneração de médicos. Mais que isso, a prefeitura aumentou a alíquota de contribuição dos servidores para o regime previdenciário, levando a um decréscimo ainda maior desses salários. Gostaríamos de saber se o candidato tem alguma proposta de revisão da carreira e ampliação dos concursos públicos.

Boulos – Nós vamos promover a realização imediata de concursos públicos para provimento de cargos assistenciais e ampliação das equipes de saúde dos diversos equipamentos de saúde municipais (UBSs, AMAs, CAPSs, UPAs, hospitais etc). Estruturaremos ainda um plano de carreira específico para os trabalhadores da saúde. Com relação às contratações de médicos, serão realizados concursos e estruturação de um plano de carreira que gratifique o atendimento realizado em áreas mais periféricas e com dificuldade de cobertura médica. Mais uma ação é a garantia de equiparação ou isonomia salarial e de direitos entre servidores municipais, estaduais (municipalizados) e terceirizados das OSs, segundo cargos e funções realizadas.

 

Simesp – A Cracolândia e as formas de se lidar com ela têm sido tema de intenso debate ao longo das últimas legislaturas. Você considera que essa questão tem sido abordada de maneira satisfatória? Qual sua proposta para as pessoas que se encontram em situação de abuso de drogas em áreas públicas no centro de São Paulo?

Boulos – A atuação da atual gestão na Cracolândia também é insatisfatória. A Cracolândia é um território de disputas e conflitos na cidade de São Paulo. Esses conflitos se apresentam entre classes sociais, entre as formas como os trabalhadores se organizam nesse território, entre as diferentes propostas de atuação internas às próprias políticas públicas e entre os interesses do mercado e da especulação imobiliária na ocupação deste território, reforçada pelo governo atual. A região é um símbolo da desigualdade social da cidade e a forma como se realiza a gestão desse abismo é a partir da noção alargada de propriedade (funcionamento de organizações não governamentais – ONGs – de diferentes setores e ideologias), e não do reconhecimento do serviço público no território entre os próprios trabalhadores. Por exemplo: trabalhadores da saúde não reconhecem a legitimidade dos trabalhadores da segurança e vice-versa.

A atual gestão do local revela também que o Estado se organiza de forma a colocar os trabalhadores uns contra os outros, individualizando a precariedade do próprio funcionamento do Estado nos trabalhadores. A Cracolândia apresenta um conjunto complexo de variáveis que constituem a vulnerabilidade e condensa o que acontece quando não há acesso à cultura, educação, moradia, saúde, lazer.

No nosso governo haverá maior articulação entre as políticas públicas de saúde, assistência, moradia, trabalho, cultura e segurança para o reconhecimento da pluralidade de funções necessárias à área. Vamos desmilitarizar a GCM (Guarda Civil Metropolitana): o problema da Cracolândia é um problema civil e, portanto, exige uma política de segurança para civis, baseada na preservação da vida e dos direitos. Colocaremos em prática políticas efetivas para evitar a precarização dos trabalhadores da região, que atuam em grande insalubridade, articulando as diferentes secretarias para a gestão de um trabalho em rede. Iremos reforçar uma política de uso de substâncias que não seja punitivista e culpabilize o usuário. A redução de danos será uma estratégia de cuidado aos usuários. O Estado irá gerir e articular as propostas de atuação na Cracolândia, evitando a privatização de problemas públicos. Efetivaremos um programa de prevenção e orientação sobre o uso de drogas nos territórios periféricos a fim de evitar a migração e saída dos usuários de seus territórios de origem. Construiremos também um centro de convivência, cuidado integral e direitos humanos adulto e infanto-juvenil para que o público dessa região possa ter garantidas condições mínimas de existência e dignidade, como espaço para alimentação, banho, lavagem de roupa etc. Haverá a construção de um programa de geração de renda que respeite a experiência que essas pessoas tem no mundo do trabalho e nos princípios da economia solidária, e de moradia popular para pessoas em vulnerabilidade e uso de drogas.