Família. É provável que ao ouvir essa palavra você pense em algo completamente diferente do que pensariam os seus próprios familiares. E quem, afinal, são os seus familiares? Pois há amigos que consideramos como irmãos, que são bem mais próximos, presentes em nossas vidas do que os nossos irmãos de sangue.
Há inúmeras definições de família (seja nos campos jurídico, religioso, médico, demográfico, filosófico, entre outros) e discutir isso foi uma das ideias do seminário Sexualidade e Diversidade: Atenção Primária Quebrando Tabus, realizado ao longo deste final de semana na capital paulista.
“Que família é essa que gente tem propagado”, perguntou, na noite da última sexta-feira, 20, Denize Ornelas, secretária geral do Sindicato dos Médicos de São Paulo (Simesp) e diretora de exercício profissional e mercado de trabalho da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (SBMFC).
Ornelas avalia que há uma romantização do assunto (na qual o ideal de família a ser alcançado seria como o que vemos nos comerciais de margarina, um espaço de pura felicidade, sem conflitos). “E que conceito é esse de família que a gente tem”, indagou a médica de família e comunidade.
Em sua apresentação, a diretora do Simesp exibiu uma imagem, de 1822, intitulada “Uma Família Brasileira”. Nessa gravura, do inglês Henry Chamberlain, um homem (branco) caminha na frente das mulheres de sua família e de pessoas escravizadas das quais ele era dono, visto que esses seres humanos eram tratados como propriedade. “E as nossas bases, a base da sociedade brasileira se construíram em cima dessa família, não foi de outra família”, avalia.
Denize Ornelas ainda lembrou a importância dos diferentes tipos de relacionamentos na constituição dos novos tipos de família. Ao invés de casal, por exemplo, hoje já se constata a existência de trisal (formado por três pessoas), há também relações abertas e suas variantes e mesmo famílias de uma única pessoa, conhecidas como unipessoal (esse tipo, aliás, já está nas estatísticas oficiais, sendo considerado pelo IBGE).
“Conjugalidades e Parentalidades LGBT+”
Esse foi o título da apresentação de Ademir Lopes Junior, preceptor em medicina de família e comunidade e secretário de formação sindical e sindicalização do Simesp. Em sua fala, na noite de 20 de abril, ele apresentou três conceitos: parentalidade, conjugalidade e filiação.
O próprio Ademir deu uma breve explicação de cada um desses conceitos. Parentalidade é o adulto que cuida de uma criança. Conjugalidade é a relação que um adulto tem com outro adulto. E a filiação é o status civil da linhagem (a criança pode ser filho biológico de alguém, haver um registro oficial disso, mas, o que não é incomum, ser criada por outro).
“Então você estabelece que a filiação, a conjugalidade e a parentalidade seriam todas unificadas dentro de uma mesma coisa que a gente chama de família”, diz. O diretor do Simesp explica que ao longo do século 20, os movimentos gay e feminista, entre outros, começam a contestar isso. “Muito do que a gente fala hoje de família LGBT é um questionamento disso”, explica. “Essas coisas não precisam estar todas juntas”, defende Ademir Lopes Junior.
“Isso é importante porque a noção de família de classe média que a gente tem hoje não é natural ou sempre foi assim”, lembra. Ele recordou aos presentes, na abertura do seminário “Sexualidade e Diversidade: Atenção Primária Quebrando Tabus”, que o atual modelo de família nasce com o advento do capitalismo e a ascensão da burguesia no final do século 17.
O seminário foi organizado pela SBMFC em parceria com o Simesp, a Associação Paulista de Medicina de Família e Comunidade (APMFC) e a Associação de Medicina de Família e Comunidade do Estado do Rio de Janeiro (AMFaC-RJ).