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Cinema nacional vive fase de “neochanchad“

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15/09/2011 | Notícia Simesp

Cinema nacional vive fase de “neochanchad“

Desde a explosão do chamado “favela movie”, com as quatro indicações ao Oscar de “Cidade de Deus”, em 2004, culminando com a bilheteria histórica de “Tropa de Elite 2”, no ano passado, o interesse em torno do cinema nacional parecia fadado a uma receita tal qual às páginas policiais: tiroteio, bandidos armados, policiais corruptos e favelas. Estes ingredientes compuseram o cinema nacional nos últimos anos.

Em 2011 a tendência que se percebe é outra. O riso rola fácil nas salas que exibem produções brasileiras. “Cilada.com”, “Muita calma nessa hora”, “Qualquer gato vira-lata”, “De pernas pro ar”, “Não se preocupe, nada vai dar certo” e o mais recente “O homem do futuro” são só alguns exemplos de comédias com bom público pagante em todo o País. “As pessoas estão cansadas de tristeza”, sentencia Rik Nogueira, produtor de “Muita calma nessa hora”, que levou no final do primeiro semestre quase dois milhões de pessoas aos cinemas.

Alguns consideram este fenômeno uma volta à tradição do humor escrachado das chanchadas, gênero bastante popular até a década de 60. Nas duas décadas seguintes, foi a vez da pornochanchada – incluindo doses eróticas a um roteiro de piadas chulas.

O humor atual poderia então ser classificado como “neochanchada”, revitalizando o cinema nacional, como mostram as boas bilheterias ultrapassando a barreira do milhão. A comédia continua voltada para as classes populares, as piadas são sobre situações casuais, mas tudo com uma roupagem moderna, mais jovial. Para Diler Trindade, um dos mais ativos produtores do cinema nacional, a releitura da chanchada está atrelada à força do gênero do humor. “As comédias sempre foram apreciadas pelo público do mais variado perfil demográfico e psicográfico. E seguirão como tendência para os próximos anos. Afinal rir é o último remédio”, diz. Marcelo Laffitte, diretor de “Elvis e Madona”, que tem previsão de estreia para 23 de setembro, acredita que os filmes atuais fazem, direta ou indiretamente, referência ao passado.

O longa conta a história divertida de uma garota homossexual (Simone Spoladore) que se apaixona por uma drag queen (Igor Cotrim). “Apesar de ser uma espécie de reformulação de musicais americanos, a chanchada tinha uma linguagem muito própria, de estética e de discussão do que é ser brasileiro. Faço esta referência ao meu filme, defino-o como uma comédia romântica. Os outros também seguem esta linha”, diz.

Ascensão da classe C

O longa “Cilada.com”, que estreou 8 de julho, bateu a marca de melhor estreia do ano em número de arrecadação em bilheteria. O filme de Bruno Mazzeo, originado a partir de um programa na TV fechada, superou R$ 4,8 milhões arrecadados. Mais de três milhões de espectadores assistiram à comédia, colocando-a como a produção nacional mais vista do ano até o momento. Pelo menos mais duas comédias estão programadas para este ano a fim de desbancar o longa de Mazzeo. Em 11 de novembro estreia “Amanhã nunca mais” de Tadeu Jungle, com Lázaro Ramos, Maria Luisa Mendonça e Milhem Cortaz. E no dia 30 de dezembro, “Billi Pig”, de José Eduardo Belmonte, com Selton Mello e Grazi Massafera.

Em cartaz atualmente, “O Homem do futuro” e “Não se preocupe, nada vai dar certo”, de Hugo Carvana, representam bem o gênero (característico por piadas ingênuas e caricaturais). O primeiro leva larga vantagem sobre o segundo quanto à aceitação popular. Dados do Filme B apontam que, entre os cinco filmes de maior bilheteria do último final de semana (10 e 11 de setembro), o único brasileiro é “O homem do futuro”, em terceira posição, já tendo arrecadado mais de R$ 2 milhões. “Onde está a felicidade?”, de Carlos Alberto Riccelli, também está em exibição. Tendo no elenco Bruna Lombardi e Bruno Garcia, a sinopse não é das mais empolgantes. Após o divórcio a chef (Bruna) decide fazer uma peregrinação pelo caminho de Santiago de Compostela, na Espanha, e passa por vários apuros. Piadas fáceis, de rápida absorção.

A ascensão da classe C é uma das causas da grande procura a este gênero cinematográfico. Mariza Leão, produtora de “De Pernas pro ar”, que abriu o ano levando aos cinemas um público de quase três milhões pessoas, destaca a descentralização das salas de exibição como ponto a ser considerado. “Nos últimos anos houve a chamada ascensão das classes C e D. Shoppings centers foram e estão sendo abertos em bairros e cidades onde não havia cinemas. A presença dessas classes mais populares têm sido um elemento de mudança no perfil do ‘movie going’. Antes o produtor e o diretor brigavam para exibirem no cine Leblon. Hoje um lançamento se mede pela diversificação de salas. Estrear em Bangu, Aricanduva, São Gonçalo é tão importante como estrear no Roxy, em Copacabana”, diz.

Iafa Britz, produtora de “Se eu fosse você 2” (2009), segundo filme mais visto pós-retomada (iniciado com “Carlota Joaquina”, em 1994), com mais de seis milhões de espectadores, faz coro com Mariza. “Tem mais gente indo ao cinema, gente que antes não costumava ir, ou não ia para ver filme nacional. Isso é ótimo. A comédia trouxe um público diversificado”, afirma.

Atrativos para o público

É praticamente unânime a opinião dos produtores e diretores ouvidos pela reportagem do iG. O pontapé inicial que deu origem à onda atual do humor nas telonas foi “Se eu fosse você” (2006), que vendeu 3,6 milhões de ingressos. O número dois da franquia vendeu seis milhões de ingressos. A partir disso, todo mundo foi atrás da mesma receita. Fazer rir parecia ser o chamariz certo para atrair o público.

“A tendência, o modismo ou a sensação de que os espectadores aderiram incondicionalmente às comédias faz as distribuidoras nacionais e internacionais, principais investidoras dos filmes, apostarem suas fichas no gênero. E os produtores realizam o que o mercado deseja”, diz Diler, que já tem engatilhado para lançar “Uma professora muito maluquinha”, comédia infanto-juvenil baseada na obra de Ziraldo.

A diretora Adriana Dutra, organizadora do Brazilian Film Festival, que leva produções nacionais a Nova York, Miami, Buenos Aires, Montevidéu, Londres, entre outras cidades, vê o assunto não apenas como uma necessidade de riso. “Existe uma relação direta com a linguagem da televisão. São os ícones e a estética da TV chegando ao cinema. A comédia tem tido um papel importantíssimo de levar público às salas”, diz. Clélia Bessa, produtora de “Desenrola”, concorda. “A comédia tem exercido um papel atual de resgatar o público. O gênero vem ajudando a reconquistar o público”, constata. Seu filme, direcionado ao público adolescente, no entanto, não decolou nos cinemas.

Sátira aos “favela movies”

Isso quer dizer que os filmes com uma pegada social, aqueles de tiroteios incessantes em ladeiras sem asfalto, estão com os dias contados? Pode ser, ainda que momentaneamente. “No momento o público quer rir e se divertir, pensando mais nas piadas que o divertiram do que propriamente no enredo do filme”, diz Flavio Tambelini, produtor de “Rio Sex Comedy” (co-produção com a França) e “Agamenon – o Filme” (um falso documentário sobre um jornalista criado pela turma do Casseta & Planeta), ambas comédias e com previsão de estreia para o ano que vem.

Está agendada para o segundo semestre de 2012 outra comédia que Mariza Leão, ao lado de Iafa Britz, produz visando ao grande público. Com direção de Rodrigo Bittencourt, “Totalmente Inocentes” satiriza os “favela movies”, antecessores na paixão popular nacional. Talvez esta produção marque de vez esta virada de página na história recente do cinema, inaugurando um novo gênero”, supõe Iafa.

Esgotamento da fórmula

Não há riso, por mais farto que seja, que perdure. Diler prevê um esgotamento, acreditando que ninguém quer rir o tempo todo. “Assim que surgir um novo filme de sucesso, consagrando um outro gênero, o cinema nacional assimilará a tendência e haverá muitos seguidores entre distribuidoras e produtores”, diz. O mercado já percebe que este tipo de cinematografia não tardará a enjoar. “Não acredito que seja uma tendência para os próximos anos. O que está acontecendo é que filmes escancaradamente comerciais, com grande campanha de lançamento e atores populares na televisão estão fazendo sucesso. Em algum momento a fórmula vai se esgotar”, acredita Tambelini.

Este esgotamento previsto, entretanto, não deve ser entendido como um “the end” para o gênero. “Não acredito no fim de nenhum estilo de filmes. A comédia é a base da pirâmide de produção cinematográfica mundial desde Chaplin e Buster Keaton. Não é o gênero que ganha prêmios em festivais ou Oscar, mas o público gosta, pelo implícito caráter de diversão”, defende Claudio Torres, diretor de “O Homem do Futuro”.

Ao menos por enquanto ainda há bons motivos para rir em bom português. Entre as comédias em fase de produção estão: “O Diário de Tati” (protagonizado por Heloisa Périssé), “Família Vende Tudo (com Lima Duarte, Vera Holtz, Luana Piovani e Caco Ciocler) e “Giovanni Improtta” (primeira direção de José Wilker, também o protagonista da história). Como se vê estão garantidas as próximas piadas sem legenda e sem dublagem.