Que tipo de tratamento podem ter doentes internados em hospitais sem condições mínimas de higiene, com apenas um terço do número de profissionais de saúde necessário e em galpões ou salas lotadas e malcheirosas? Essa é a situação em que vive parte dos 1.070 pacientes dos hospitais de custódia do Estado de São Paulo, unidades onde pessoas com transtorno mental que cometeram crimes deveriam receber tratamento psiquiátrico.
As irregularidades foram encontradas em fiscalização do Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp) feita entre maio e julho do ano passado em três hospitais de custódia do Estado: as duas unidades de Franco da Rocha, na Região Metropolitana, e a de Taubaté, no interior. Os resultados da vistoria deram origem ao livro Hospital de Custódia: Prisão sem Tratamento, finalizado na semana passada, ao qual o Estado teve acesso com exclusividade.
Entre os principais problemas apontados pelo Cremesp estão a péssima estrutura física e a ausência de um tratamento adequado para os internos. Na maioria das unidades, a limpeza era quase inexistente. Havia restos de comida debaixo das camas, quartos com urina e fezes e cheiro forte de fumaça de cigarro nos ambientes em que os pacientes dormiam.
"Nenhuma das unidades apresentou laudo da Vigilância Sanitária nem do Corpo de Bombeiros", conta o psiquiatra forense Quirino Cordeiro, membro do Cremesp e um dos coordenadores da fiscalização.
A maioria dos pacientes tinha como único tratamento a medicação. Faltavam psiquiatras, psicólogos, farmacêuticos e terapeutas ocupacionais. Uma das unidades visitadas tinha apenas 28 dos 72 profissionais de saúde necessários. "Na maioria dos locais, o período da noite fica sem nenhum médico plantonista. Muitas vezes os agentes de segurança penitenciários fazem o papel de farmacêutico ou de auxiliar de enfermagem. Não há tratamento individualizado. O foco acaba sendo o tratamento medicamentoso, até em doses mais elevadas", afirma Cordeiro.
Prisão perpétua. Segundo o vice-presidente do Cremesp, o psiquiatra Mauro Aranha de Lima, a dinâmica encontrada nos hospitais de custódia impede que eles cumpram sua função: tratar os pacientes e cessar sua periculosidade. "Esses pacientes, quando cometeram crimes, estavam doentes, não tiveram dolo nem culpa e por isso não receberam uma pena, mas, sim, uma medida de segurança, para que sejam tratados. Só que, sem esse tratamento, o quadro deles só piora e eles acabam condenados à prisão perpétua, já que, sendo tratados dessa forma, nunca estarão aptos a retornar ao convívio social", afirma ele, que também coordenou a fiscalização do Cremesp.
Os psiquiatras explicam que a situação observada nesses locais ainda segue a lógica manicomial, em que o doente mental não tem o tratamento adequado e fica segregado da sociedade. A Lei Federal 2.216, de 2001, determinou a extinção desse modelo. A partir de então, o País deveria passar a priorizar um tratamento com foco na reinserção social do paciente, seja infrator ou não.
"Sabemos que, com um tratamento adequado, um paciente com quadro psicótico pode sair da internação em alguns meses, dando seguimento ao tratamento de forma ambulatorial. Nesses hospitais, há internos que estão lá há décadas. Ou seja, é uma lógica de prisão e não de saúde", diz Lima. O próprio Código Penal prevê que o paciente em medida de segurança permaneça, no mínimo, um ano em hospital, antes de ser avaliado novamente por um perito.
Tratamento. Ex-paciente do Hospital de Custódia 2 de Franco da Rocha, um estudante que não pode ser identificado afirma ter visto seu quadro de dependência química piorar nos meses em que ficou internado. A unidade 2 é destinada a doentes que já estão próximos da desinternação. Muitos já têm autorização para ficar alguns dias em casa. "Todo mundo voltava com droga e havia conivência dos funcionários. Era eu voltar de casa ao hospital para ter recaída. Não existe tratamento."