São Paulo, 26 de março de 2021
O documento intitulado “Fluxo de Atendimento COVID-19 – recomendação técnica”, enviado pela prefeitura do município de São Paulo às Unidades Básicas de Saúde (UBS) no dia 18 de março, orienta os trabalhadores médicos de UBSs da capital paulista a seguirem determinadas medidas durante o atendimento de casos suspeitos ou confirmados da COVID no âmbito da Atençao Primaria à Saúde (APS), como coleta de exames laboratoriais de todos os pacientes com síndrome gripal, retorno obrigatório à unidade de saúde mesmo se sintomas leves e fornecimento de oxímetro de pulso para monitoração domiciliar em alguns casos. Tais medidas revelam-se desnecessárias frente ao atual processo de trabalho médico na atenção básica no Brasil, além de apresentarem problemas que vão para além das possibilidades materiais nas UBS.
Com isso, o Sindicato dos Médicos de São Paulo (Simesp) e a Associação Paulista de Medicina de Família e Comunidade (APMFC) solicitam que as diretrizes sejam reformuladas a partir de amplo debate com participação dos trabalhadores da saúde e gestores das unidades. Pedimos que os médicos ASSINEM AQUI MANIFESTO que será enviado para a Coordenadoria da Atenção Básica do município.
Segue abaixo as solicitações das entidades:
À Coordenação de Atenção Básica da Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo
O Sindicato dos Médicos de São Paulo (SIMESP) e a Associação Paulista de Medicina de Família e Comunidade (APMFC) têm trabalhado junto a médicas e médicos da Atenção Primária à Saúde durante a Pandemia de COVID-19, visando oferecer suporte para esses profissionais.
Após termos ciência do “Fluxo de Atendimento COVID-19 – recomendação técnica”, verificamos com médicas e médicos do município as dificuldades e impossibilidades para a execução dos tópicos explicitados a seguir:
Os equipamentos de atenção primária à saúde (Unidades Básicas de Saúde, em sua maioria) não contam com aparato laboratorial para coleta de sangue ao longo do dia. Poucas horas do dia são reservadas para a função de coleta, que geralmente ocorre momentos antes do transporte das amostras biológicas para o laboratório de referência.
A recomendação de se coletar exames de sangue nos casos de suspeita de síndrome gripal impõe fluxo de atendimento prevendo retorno do paciente à UBS em momento de coleta, o que aumenta a circulação de pessoas potencialmente infectadas com o novo coronavírus na UBS e nas ruas. Além desse fato, a coleta afetaria ainda mais a rotina de trabalho de profissionais já plenamente ocupados com as tarefas diárias de cuidado da população adscrita e de atendimento das demandas espontâneas dessa população.
Para a realização de coleta em domicílio é necessário mobilizar diversos profissionais de saúde por um período de tempo ainda maior do que o utilizado para a coleta na unidade. Ressalta-se a falta de recursos humanos para essa tarefa, visto que as equipes já estão sobrecarregadas e desfalcadas em razão da pandemia.
Ainda mais importante do que as dificuldades já apontadas, destaca-se a falta de evidência científica para solicitação de tais exames laboratoriais para manejo de casos leves de síndrome gripal em ambiente extra-hospitalar (1,2,3,4,5). A solicitação de exames desnecessários, além de onerar e sobrecarregar o sistema de saúde já notoriamente pressionado pela demanda ocasionada pela pandemia, pode submeter pacientes a dano iatrogênico, o que se contrapõe ao princípio de prevenção quaternária e tende a aumentar a ocupação de serviços hospitalares sem trazer benefício à população atendida.
As UBS já enfrentam hoje desabastecimento de insumos que dificultam avaliações e atendimentos de pessoas com sintomas respiratórios, como medicações sintomáticas (ex: dipirona), drogas para sedação e intubação (ex: midazolam, fentanila e suxametônio), material para intubação (ex: cânulas), oxigênio e equipamentos (ex: eletrocardiograma e o próprio oxímetro de pulso).
Muitas UBS dependem de oxímetros individuais dos profissionais de saúde para que os atendimentos possam ser realizados, devido à escassez deste equipamento. A divulgação deste fluxo de atendimento não foi acompanhada da distribuição de oxímetros de pulso para as unidades de saúde, de forma que torna-se inviável oferecer oxímetros para a população.
Salientamos a nossa não concordância com os termos de tal recomendação técnica pela inviabilidade de sua aplicação na prática da APS, seja por ausência de justificativa científica plausível, seja por falta de estrutura física das unidades e de seus recursos humanos, o que resultaria, neste que é o pior momento da pandemia da COVID-19 no país, em aglomerações e fluxo inadequado dentro das unidades de saúde. Dessa forma, pedimos a suspensão imediata da recomendação com elaboração de novo protocolo em caráter de urgência.
Por fim, recomendamos que futuros fluxos sejam formulados em conjunto com profissionais e gestores da Atenção Básica, nos disponibilizando para compor mesa e oferecer suporte à equipe técnica do município responsável pela elaboração de tais documentos.
Referência Bibliográfica
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