Por Luciana Mendonça
Formada pela Universidade de Brasília, Daniela Mota sempre soube que queria atuar em saúde humanitária. Aos 32 anos, a enfermeira do Médicos Sem Fronteiras (MSF), já esteve em missões no Iraque, Guiné-Bissau, Moçambique e República Centro-Africana. Entre 12 de junho e 12 de agosto, ela viveu dois meses intensos em Gaza, onde presenciou de perto a destruição causada pelos bombardeios, a fome generalizada e o bloqueio imposto por Israel, que impede a entrada de alimentos, medicamentos e suprimentos básicos. Daniela não tem dúvidas: o que ocorre no território palestino não é uma guerra, mas sim um genocídio contra a população civil. Em entrevista ao Simesp, ela compartilhou suas impressões, denunciou a omissão da comunidade internacional e deixou uma mensagem de esperança e luta para os profissionais de saúde brasileiros.
Simesp – Você sempre quis atuar em ações humanitárias?
Daniela Mota – Sim. Antes mesmo de entrar na universidade eu já tinha esse objetivo. Queria retribuir a oportunidade de estudar em uma instituição pública e, ao mesmo tempo, contribuir para reduzir desigualdades no mundo. O Médicos Sem Fronteiras sempre foi um sonho e me preparei para isso.
Simesp – Em quais países você já trabalhou antes de Gaza?
Daniela Mota – Estive no Iraque, Guiné-Bissau, Moçambique e República Centro-Africana. Cada missão tem suas especificidades, mas Gaza foi diferente de tudo.
Simesp – O que mais te impressionou ao chegar em Gaza?
Daniela Mota – A destruição. Era uma cidade fantasma: sem iluminação pública, prédios em ruínas e milhares de pessoas deslocadas. Muitos já mudaram de casa mais de 15 vezes desde outubro de 2023. Eu atuei em uma base no norte de Gaza. No trajeto para lá, de um lado da estrada, nós vemos escombros e do outro, vemos o mar com uma infinidade de barracas onde estão as pessoas, que já não têm mais casas ou para onde ir.
Simesp – Quais eram as principais necessidades da população?
Daniela Mota – Moradia, saneamento básico, água, comida e acesso à saúde. A fome é algo muito marcante, sobretudo em crianças e gestantes. Nunca tinha visto nada parecido. O centro de desnutrição onde eu atuava atendia crianças e mulheres grávidas, mas não adianta você dar uma barra de alimentação hipercalórica, se você não tem condições de proporcionar uma base alimentar contínua para que elas se recuperem. Um caso que me marcou foi o de um bebê de 40 dias, que o pai morreu e a mãe abandonou. Fazia dois dias que ele era alimentado só com água. Passei horas atrás de uma fórmula infantil e quando consegui, foi uma lata. Tudo muito escasso e conseguido com muito esforço, mesmo para organizações. A desnutrição infantil tem consequências muito graves para o desenvolvimento das pessoas.
Simesp – E como Gaza se difere de outros locais em que você atuou?
Daniela Mota – A maior diferença de Gaza em relação a outros conflitos é o bloqueio humanitário imposto por Israel, que impede o acesso à ajuda essencial, como comida e suprimentos médicos. Tudo o que está acontecendo em Gaza é resultado de decisões tomadas pelo governo israelense. As pessoas estão confinadas neste território que falta de tudo, desde moradia, saneamento básico, água, comida e acesso à saúde, que está precário e muito abaixo do necessário. Sobre saúde, mais especificamente, há necessidade de leitos em hospitais de trauma, centros cirúrgicos e reabilitação, além da gravidade da desnutrição, especialmente em crianças e gestantes.
Simesp – Você chegou a usar a palavra genocídio. Por quê?
Daniela Mota – Porque não é uma guerra. A maior parte das vítimas são civis, muitas crianças. É um massacre contínuo. O mínimo necessário seria um cessar-fogo sustentado e a entrada regular de ajuda humanitária.
Simesp – Que mensagem você gostaria de deixar para os profissionais de saúde?
Daniela Mota – Em Gaza, vi pessoas vivendo em condições desumanas, mas também encontrei uma impressionante força de resistência e vontade de viver. Aqui no Brasil, temos um sistema público de saúde que, com todos os seus desafios, é uma conquista civilizatória e deve ser defendido todos os dias. O SUS mostra que é possível garantir acesso universal à saúde, e essa é a mensagem que quero deixar: não desistam de lutar pelos direitos, porque a saúde é um direito fundamental, em qualquer lugar do mundo.